1. INTRODUÇÃO

As sulfurações são reacções químicas que ocorrem na superfície de alguns recipientes metálicos, com certos tipos de produtos, que, pela sua natureza, têm um elevado teor de tioproteína:

  • Cisteína: HS – CH2CH(NH2) – COOH
  • Metionina: CH3 – S – CH2- CH2- CH(NH2) – COOH
  • Cystine: HOOC – CH(NH2) – CH2 – S – S -CH2- CH(NH2) – COOH

A cistina ↔ casal cisteína redutora de óxido de cisteína depende do potencial redox do produto. A forma cisteína é a forma preferida num meio não oxidante, portanto redutor (por exemplo, na presença do par Sn/Sn++).

Na segunda fase, os aminoácidos são divididos em compostos de slphydryl (mercaptans, SH2).

No que diz respeito a SH2, a sua dissociação em SH- e S-2 é dependente do pH:

Isto indica que apenas um décimo do SH2 está dissociado. Vê-se também que quanto mais ácido é o pH, mais baixa é a dissociação.

Da mesma forma, SH- pode dissociar-se em H+ e S-2 também sob dependência do pH.

É de notar que os fenómenos de sulfuração de estanho são favorecidos num meio pouco ácido, e é o caso do peixe, carne e certas leguminosas (ervilhas, couves, milho, etc.).

Durante um processo de aquecimento, estas tioproteínas sofrem decomposição, libertando iões de enxofre, que podem reagir com os componentes metálicos da embalagem, tais como ferro e estanho, dando sulfuretos de cor escura, que estragam o aspecto da embalagem e, em alguns casos, do produto.

Noutros casos, a sulfuração pode ocorrer como resultado da utilização de certos aditivos compostos de enxofre, utilizados nas primeiras fases do processo de branqueamento ou conservação, e que posteriormente não foram convenientemente eliminados do produto a ser embalado.

O aparecimento de manchas de sulfuração no interior da embalagem não causa qualquer problema sanitário, uma vez que os sulfuretos formados são completamente inofensivos e, em muitos casos, aparecem sob o verniz, mas podem causar um problema comercial importante, uma vez que afectam a apresentação do produto, especialmente se tiver manchas escuras devido aos restos destes sulfuretos.

2. OS SULFURS

Dentro da embalagem, existem dois materiais, que, embora estejam estratificados na concepção, podem coexistir em caso de danos mecânicos na superfície do material. Estes elementos são o estanho, que forma a camada superficial da folha-de-flandres, e o ferro, um componente importante do aço de base, que forma a folha-de-flandres.

O sulfureto de estanho tem uma cor castanha escura e aparece geralmente aderido à superfície, enquanto o sulfureto de ferro tem uma cor negra profunda e tende a descascar facilmente e a manchar o produto.

Sulfuração em estanho / Sulfuração de ferro

Teoricamente, a aplicação electrolítica do estanho na superfície do aço não deve deixar o ferro exposto, mas apesar disso, existe uma certa porosidade na aplicação electrolítica industrial (quanto menor a quantidade de estanho, maior a porosidade) que, embora não cause problemas nas embalagens ácidas, uma vez que o estanho protege electroliticamente o ferro, poderia causar manchas microscópicas de formação de sulfureto de ferro, que normalmente não são visíveis, dentro de uma mancha de superfície escura muito maior de sulfureto de estanho.

3. OS VARNISHOS

Os vernizes, aplicados na folha-de-flandres, têm um efeito de barreira contra os ataques do produto estanhado à superfície da folha-de-flandres. Isto era para resolver o problema, mas continuam a aparecer por duas razões diferentes: Por um lado, não se pode garantir uma continuidade completa do verniz aplicado (poros, danos mecânicos, etc.) e, por outro lado, os filmes poliméricos são permeáveis aos gases, pelo que qualquer ataque de sulfuração por este meio pode ocorrer, apesar da utilização de vernizes, embora, nestes casos, as manchas de sulfuração apareçam por baixo do verniz, sem contacto com o produto embalado.

Tendo isto em conta, a permeabilidade das diferentes aplicações de revestimento deve ser avaliada, e sobretudo, a influência da espessura da película aplicada, mas este factor é um compromisso entre a sua permeabilidade e a sua flexibilidade para se adaptar às exigências mecânicas dos elementos fabricados e, claro, ao custo do revestimento.

A fim de tentar evitar a sulfuração, foram apresentadas duas soluções possíveis aplicadas directamente nos revestimentos:

  • Utilização de vernizes pigmentados, que mascaram o aparecimento de manchas na superfície da lata, uma vez que são vernizes opacos (alumínio, branco, etc.).

Utilização de vernizes quimicamente activos, que neutralizam o ataque de enxofre, evitando o aparecimento de manchas no metal (adição de sais de zinco). Nestes revestimentos, o óxido de zinco decompõe-se sob ataque de enxofre, formando sulfureto de zinco, que também é branco, para que o aspecto do revestimento não se altere após a neutralização da enxofre. O problema que pode ocorrer é que o ataque de sulfuração é muito intenso, excedendo ocasionalmente a quantidade de zinco contida no verniz, caso em que aparecem manchas escuras de sulfuração por baixo do verniz, que são realçadas pela tonalidade “leitosa” do verniz.

4. O MATERIAL DE EMBALAGEM

A folha-de-flandres também tem influência sobre o aparecimento de manchas de sulfuração. A superfície de estanho em todos os casos é a mesma, e a formação de sulfureto de estanho não depende em caso algum da quantidade de estanho depositada sobre o aço. No entanto, para além do estanho, a folha-de-flandres recebe um tratamento superficial de passivação, no qual o crómio (e óxidos de crómio) é depositado como tratamento anti-ferrugem e endurecimento. Este crómio depositado não é susceptível de ataque por enxofre, pelo que é razoável pensar que quanto mais deposição de crómio, menor é o problema. Isto é verdade, mas a solução não é tão simples: quanto maior a quantidade de cromo, menor a aderência dos revestimentos, e portanto mais problemas podem surgir devido ao revestimento que sai durante a maquinação.

Existe uma alternativa, que é a utilização de um material que não contém estanho, TFS (ou ECCS), conhecido como Aço sem Estanho ou chapa cromada, que, como tem crómio depositado na superfície, como mencionámos anteriormente, não é susceptível de sulfuração, mas devido às suas características químicas, deve ser sempre utilizado envernizado.

Existem dois problemas com este tipo de material, o que significa que não pode ser utilizado em todos os casos, nem com todos os vernizes, e que está actualmente em processo de desaparecimento devido a questões legislativas:

  • Por um lado, não existe actualmente nenhuma tecnologia que nos permita soldar este material, pelo que a sua utilização é reduzida ao fabrico de tampas e recipientes de estiramento profundo.
  • Por outro lado, devido à rigidez da película cromada, é necessário utilizar revestimentos muito flexíveis, evitando ao máximo a utilização de revestimentos pigmentados (mais quebradiços devido às partículas sólidas que contêm), pelo que não se recomenda a utilização de revestimentos de alumínio ou carbonato de zinco sem a utilização de uma camada de revestimento flexível, por baixo ou por cima do revestimento principal. A quebra da película de verniz expõe a camada de crómio, que cobre parcialmente o aço, de modo que, neste caso, a sulfuração formada é de ferro, que, como mencionado acima, é mais intensa e preta, e susceptível de manchar o produto.
  • Finalmente, devemos considerar os seus problemas legislativos, devido à possibilidade do conteúdo de crómio (VI), catalogado como tóxico, e portanto, a curto prazo, poderia ser proibido pela legislação.

5. O PRODUTO

Como é lógico pensar, o produto a ser embalado também tem uma influência importante na aparência ou não de manchas de sulfuração.

Quando se trata de peixe e marisco, os produtos naturais (em água e sal) são mais sulfurados, porque em princípio dois factores trabalham contra eles: por um lado, uma viscosidade mais baixa do produto, e portanto uma maior mobilidade dos gases, e por outro lado, e mais importante, uma maior penetração de calor, e portanto uma temperatura mais elevada, o que provoca uma maior decomposição das tioproteínas (nos mesmos tempos de esterilização).

Factores como a variedade, tamanho ou dieta dos peixes, e em alguns casos a hemorragia, intervêm de forma mais ou menos aleatória na formação de sulfuroses, e estes factores podem ser reduzidos por um processo de escaldadura antes da embalagem, de comprimento variável, que decompõe o maior número possível de tioproteínas, e que logicamente não atingiriam o interior da embalagem.

Com a carne, algo semelhante acontece. Dependendo do tipo de carne, bem como das diferentes partes do animal utilizado, e do processo de escaldadura ou preparação realizado, os ataques de sulfuração serão mais ou menos intensos.

Finalmente, nos vegetais, não é apenas a variedade do produto que desempenha um papel, mas factores tais como a composição do solo ou da água (maior ou menor teor de sulfato) influenciam um maior ou menor teor de tioproteína, e como nos casos anteriores, um processo de branqueamento controlado pode reduzir consideravelmente o aparecimento de problemas de sulfuração.

6. O PROCESSO

Uma parte importante da ocorrência de manchas de sulfuração nas embalagens é o processo a que o produto e a embalagem acabada são submetidos.

Em primeiro lugar, as tioproteínas, como mencionado no início, são decompostas pelo calor, dando origem a derivados de enxofre gasosos. Muitos produtos são pré-escalados ou pré-cozinhados antes de serem embalados. Neste processo, uma parte das tioproteínas é eliminada, se este processo for mais completo, desde que a textura do produto não seja deteriorada, a decomposição das tioproteínas é maior e, portanto, a sulfuração na embalagem será menor.

O processo de esterilização da embalagem, juntamente com o seu subsequente arrefecimento, também tem uma influência decisiva na ocorrência de manchas de sulfuração. Assim, os processos de esterilização com tempos de esterilização longos e baixas temperaturas são mais sulfurosos do que os processos de esterilização curtos e temperaturas elevadas. Além disso, nos processos de arrefecimento, longos tempos de arrefecimento levam a processos de enxofre muito mais intensos.

Finalmente, como os derivados de enxofre da decomposição das tioproteínas são compostos gasosos, as sulfurações ocorrerão preferencialmente no espaço da cabeça, a menos que o produto seja altamente viscoso, o que dificulta a circulação do produto e dos gases no interior do recipiente.

7. SOLUÇÕES POSSÍVEIS

Tendo em conta todos estes factores, é fácil compreender as dificuldades que podem ser encontradas para evitar a ocorrência de problemas de sulfuração dentro dos contentores.

Os melhores recipientes podem ser os feitos de materiais que não são susceptíveis à sulfuração, como o TFS, mas é necessário ter em conta o que foi dito sobre este material, considerando a utilização de vernizes não pigmentados e altamente flexíveis, para evitar quebras na conformação dos recipientes e tampas, que poderiam causar o aparecimento de sulfuroses de ferro negro.

Mas isto nem sempre é possível, uma vez que os mercados por vezes não estão habituados a este tipo de material, e o factor de comercialização é também importante para decidir sobre o tipo de embalagem e verniz a utilizar, por isso, se a embalagem tiver de ser folha-de-flandres, a opção mais prática é utilizar vernizes pigmentados opacos, que mascaram completamente os sinais de sulfuração. Assim, os vernizes “alumínio”, cinzentos e brancos são os mais adequados para este tipo de problemas, tendo em conta que as aplicações devem ser adequadas ao tipo de recipiente e conformação mecânica, e que o manuseamento de recipientes e tampas com estes vernizes é extremamente delicado, uma vez que podem ser facilmente riscados, devido ao arrastamento das partículas sólidas que os compõem.

Os revestimentos epifenólicos de ouro, ou revestimentos organosolados de ouro, são permeáveis em maior ou menor grau a compostos de enxofre gasoso, e podem ocorrer problemas de enxofre em maior ou menor grau, dependendo dos vários factores acima mencionados.

Finalmente, a utilização de vernizes “activos” à base de óxido de zinco ou carbonato de zinco, como já mencionámos, são eficazes até um certo ponto, uma vez que permanecem activos enquanto houver um composto de zinco para neutralizar as sulfurações, mas uma vez consumido todo o zinco, o produto já não é eficaz. Além disso, em caso algum aceitam a presença de meios ácidos, uma vez que o sal de zinco é atacado, decompondo imediatamente o verniz.